Cerca de 60 homens de Suiá Missú interceptaram um comboio de vinte viaturas da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Força Nacional de Segurança (FNS) na noite desta quinta-feira (13) entre as rodovias BR-080 e BR-158.
Com objetivo de recuperar o caminhão de mudanças de um fazendeiro que tinha sido despejado pelas forças policiais, o grupo de produtores rurais - muitos com pedras na mão e alguns munidos de coquetel molotov escondidos na mata - conseguiu parar o comboio por alguns minutos, encarando dezenas de policiais armados e protegidos por escudos. Os mais exaltados planejavam recuperar o caminhão de mudanças ou incendiá-lo. Os mais contidos buscavam uma negociação.
No entanto, a expectativa por encontrar o veículo acabou frustrada. Após pouco mais de meia hora de espera, só o comboio policial despontou na estrada, com fortes luzes. Vinte veículos – da PRF, da PF e da FNS – foram recepcionados pela população com gritos, não muito altos, de provocação. Os agentes começaram a dar ordens de recuo, pois em caso contrário poderiam atirar, e três representantes dos moradores de Suiá Missú se encaminharam para o meio da estrada de mãos ao alto para negociar o fim do impasse.
Os moradores explicaram, durante a breve conversa, que queriam resgatar a mobília do fazendeiro. Os policiais responderam que os bens já haviam sido transportados para a base das forças repressoras e que só o proprietário tinha autorização para buscar os móveis.
A conversa ficou um pouco mais tensa quando um dos moradores disse que eles iriam lá buscar o que havia sido retirado da propriedade. Um dos membros da FSN declarou que quem fizesse baderna em órgão do Estado ‘teria problema’. “Estado não, governo federal, porque o governador Silval Barbosa (PMDB) já disse que está do nosso lado”, respondeu um dos manifestantes.
A negociação se encerrou com uma pergunta com resposta inesperada, segundo relata um dos membros da comissão que negociou com os policiais. “Perguntei qual era o nome dele [um dos interlocutores] e ele respondeu ‘Força Nacional’”.
A caçada continua
Dando sequência à “caçada” às forças policiais iniciada no dia anterior, os produtores rurais toparam com os agentes após terem se concentrado no ponto conhecido como Posto do Arnon, parada de caminhoneiros da região, localizado fora da gleba de Suiá Missú.
Ao lado do posto de combustível, o grupo de moradores organizou por volta das 20h um bloqueio e aguardou a passada do caminhão de mudanças. Alguns improvisaram coletes balísticos sob a roupa com materiais como plástico, telas e couro – precavendo-se contra disparos de bala de borracha, que marcaram o encontro violento entre eles e as forças policiais na tarde de segunda-feira.
Enquanto esperavam, veículos eram parados e os condutores interrogados a respeito da movimentação na estrada e alguns moradores da gleba iam e voltavam de motocicletas das fazendas nas proximidades para prover informações sobre o deslocamento das forças policiais junto ao caminhão.
A movimentação atraiu menos pessoas que no dia anterior, mas contou com reforços até de fora de Suiá Missú ou das três cidades com áreas abrangidas por ela (Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia). Moisés Júnior Franco de Souza, 23 anos, por exemplo, saiu de Querência para participar das ações em defesa dos moradores da gleba. “Vim dar apoio ao meu tio, que não arreda o pé”, declarou.
Durante o contato entre moradores e policiais, houve um suspeito apagão. A pane comprometeu o funcionamento da luz elétrica nos postes e no posto de combustível do local, que passou a ser iluminado apenas pelas lanternas dos policiais e de suas viaturas. A tensão aumentou.
A conversa entre policiais e moradores em protesto durou cerca de vinte minutos. Na sequência, a luz elétrica voltou ao funcionamento e mais agentes tomaram a estrada, vindos de viaturas da parte de trás do comboio. Escudos em punho, eles protegeram a passagem dos veículos na BR-080.
Com as forças policiais dispersando-se, os produtores passaram a gritar provocações aos policiais que seguiam seu deslocamento: “Cuidado na hora de passar na ponte!”; “Vamos tocar fogo, hein?!”; “Estão com medo é?!”. Os gritos, no entanto, serviam mais para elevar o moral dos mesmos, segundo um deles. “É mais pra ‘botar pilha’ nos caras”, debochou, falando à reportagem.
Houve também incitações contidas, por parte de alguns, de incendiar um caminhão de nitrogênio e oxigênio que havia parado perto da rodovia para esperar o comboio policial passar. Outro alvo seria um carro da Cemat, o qual chegou ao local poucos minutos antes do encontro entre policiais e produtores, mas os poucos que pensaram em “punir” o carro da empresa pelo apagão durante o episódio foram logo demovidos da ideia.
Briga pela terra
A interceptação é fruto da revolta dos moradores da gleba Suiá Missú, que desde segunda-feira (10) sofre cumprimento de despejo judicial. Os 165 mil hectares foram demarcados como terra xavante em 1998 e, após uma disputa na Justiça Federal, devem ser esvaziados de toda a população não-índia, entre produtores rurais e os moradores da área urbana do distrito de Estrela do Araguaia (Posto da Mata).
A ação dos moradores foi parte da estratégia de contenção à desintrusão. No primeiro dia, eles entraram em duro confronto com as forças policiais em reação ao despejo sendo cumprido na maior fazenda da região. Pelo menos dez pessoas ficaram feridas. Depois disso, iniciou-se a “caçada” às forças policiais.
Ciente disto, a PF chegou a anunciar mudança de estratégia e de deslocamento para cumprir os despejos na área. E, devido à frustração da tentativa de interceptar as forças policiais ao longo de toda a quarta-feira, chegou-se a se falar em mudança de estratégia também por parte dos produtores e moradores. Por enquanto, contudo, nada leva a crer que a caçada deva se encerrar.
Fonte: Reportagem local - Lucas Bólico e Renê Dióz - enviados especiais a Estrela do Araguaia (Posto da Mata)
Foto: José Medeiros/Olhar Direto
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